Burnout Materno: quando o cansaço da rotina passa a ser preocupante

 Acordar cedo; fazer café/ arrumar a criança/ deixá-la na escola; estágio; universidade; estudar/ajudar na lição de casa/ dar o jantar/ colocar para dormir; descansar. Esse é o dia a dia de Paula Lobatto, 25, estagiária e estudante em meio período e mãe em tempo integral.    

Paula Lobatto, 25, é mãe, estagiária e estudante

Apesar de ser uma rotina individual, o cotidiano estruturado por múltiplas jornadas não é uma realidade vivida apenas por ela – milhões de brasileiras também compartilham deste contexto, marcado pelo desafio de exercer várias funções, muitas vezes, sem terem tempo para si e, ainda, tendo que lidar sob pressão: a exigência de fazer tudo, e fazer “bem feito”. Dito isso, a sobrecarga e a cobrança constantes, externas e internas, se configuram como os principais desafios das mães. Ao passo que a maternidade é romantizada, cuidar dos filhos é uma responsabilidade complexa que exige, especialmente delas, empenhos físicos e mentais, que também são distribuídos em outras áreas, como o trabalho, os estudos e a rotina de casa.

Surge, nessa conjuntura, um cenário muito comum: a falta de intervalo entre as múltiplas jornadas não dá espaço para o autocuidado da pessoa que, antes de ser mãe, é mulher. Gera-se, portanto, uma situação de cansaço que muitas vezes evolui para um quadro de adoecimento mental que, ao desencadear consequências socioemocionais, influencia o comportamento materno e a relação entre mãe e filho. 

O Burnout Materno

     O cansaço extremo que algumas mães sentem ao terem que conciliar as tarefas maternas às outras atividades da rotina, sem deixar de lado as exigências do trabalho ou estudos, pode levar a um esgotamento mental semelhante à Síndrome de Burnout, incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID) como uma doença ocupacional ligada às atividades laborais. O termo “Burnout Materno”, utilizado de forma extra-oficial, ainda não é considerado um diagnóstico clínico formal, no entanto, é empregado quando é identificado, em mães, um desgaste emocional associado à maternidade, e não a um ambiente de trabalho. 

     Existe, no entanto, uma linha tênue entre o cansaço regular ocasionado pela rotina e o Burnout Materno, quando os sintomas de estresse são mais intensos. Sobre isso, O Imparcial conversou com a psiquiatra Dra. Sâmia Jamile e, a respeito dessa diferença, ela aponta: “normalmente, nós identificamos que quando essa fadiga começa a impactar de forma significativa na maternidade dessa mulher, no dia a dia dela, na profissão, nas relações sociais, quando ela começa apresentar a funcionalidade reduzida, principalmente na relação com seus filhos, é porque esse cansaço é preocupante e precisa ser avaliado por um profissional”. 

     Ela acrescenta que nessas situações a relação entre mãe e filho é afetada diretamente, afinal, o esgotamento implica o distanciamento afetivo entre ambos, gerado pela desmotivação em manter relações sociais por parte da mãe, que enfrenta um processo de despersonalização e desrealização. Apesar de ser um um afastamento a curto prazo, os impactos nessa relação são duradouros: “Lá na frente, quando esse burnout se resolver e essa mãe se recuperar emocionalmente, essa ligação afetiva, fragilizada no período que houve o distanciamento afetivo, vai ficar abalada por muito tempo, e os filhos terão sempre a lembrança negativa desse momento de adoecimento da mãe deles.”

Dra. Sâmia Jamile, psiquiatra

     Como consequência, o distanciamento da mãe é refletido, também, na conduta dos filhos. Deste modo, o comportamento da criança ou adolescente é evidenciado por meio do aumento da ansiedade, aumento da agressividade e rebeldia, e dificuldade nas relações sociais e escolares, como um mecanismo de chamar atenção para aquela dor. Eles podem, também, apresentar dificuldades no rendimento escolar, além de alterações de comportamento que não eram pré-existentes ao adoecimento da mãe.

Prevenção e tratamento

  Paula, citada anteriormente na matéria, entende que a psicoterapia é uma das principais aliadas essenciais na luta contra a sobrecarga e a autocobrança: “Hoje eu consigo lidar melhor com isso por causa da terapia. Eu entendo que eu tenho que fazer o que dá, e nos dias que eu não consigo ser a ‘mãe de comercial de margarina’, eu não posso me martirizar, pois já fiz outras coisas muito bem”. Para ela, manter a filha ocupada, contando com uma rede de apoio também são saídas que evitam o desgaste e a preocupação constante.

     Esses recursos são comprovados. A Dra. Samia ratifica que, para distanciar a mãe do esgotamento, poder contar com uma rede de apoio é essencial. De acordo com ela, ter um ciclo seguro e de confiança é o principal meio para evitar o Burnout Materno: “Se a mãe tem essa rede de apoio, que ajude no dia a dia, ela vai ter tempo para ela, para se cuidar, fazer uma atividade física, ter um momento lúdico. Uma rotina dela, mesmo que seja um horáriozinho do dia. Isso vai, obviamente, melhorar a saúde mental dela, afinal, a maternidade não pode ser solitária.

Fique atento aos sintomas do Burnout Materno, como:

  • Sensação de cansaço constante;
  • Falta de energia;
  • Falta de ânimo;
  • Dificuldade de concentração;
  • Lapsos de memória;
  • Alterações de humor repentinas;
  • Ansiedade excessiva;
  • Diminuição da qualidade do sono;
  • Perda de apetite ou excesso
  • Em alguns casos, abusos de substâncias ilícitas e ideações de suicídio.

Por oimparcial